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No clássico filme E o Vento Levou de 1939, a personagem Scarlett O’Hara é uma mulher forte, que supera todas as adversidades para cuidar da sua família e de seus bens. A história se passa na década dos anos 1860, em plena Guerra de Secessão nos Estados Unidos.

Ela perde entes queridos, fica viúva e com a missão de criar sozinha seus filhos em meio ao caos do conflito da guerra civil e em uma época em que as mulheres tinham um papel secundário na sociedade, ela enfrenta a opinião pública e se torna chefe de família e empresária adquirindo uma serraria e trabalhando nos campos de algodão para manter a segurança financeira da família.

O filme teve um estrondoso sucesso e hoje é considerado um clássico por tratar de um tema tabu na época, que era a liberdade feminina. Fora das telas também fez história com Hattie McDanie que interpretou a personagem Mammy. Por sua atuação no filme, ela foi primeira atriz negra a receber um Oscar (melhor atriz coadjuvante) na história do cinema e a primeira a ir à cerimônia como convidada e não como servente.

A mansão Woodlands e a inspiração para Scarlett

Continuando no mundo real, em 1824, um negociador de algodão na Inglaterra, Sr. Godfrey Barnsley (1805-1873) se muda para os Estados Unidos junto com sua esposa, Julia Henrietta Scarborough (1810-1845), para a cidade de Nova Orleans, onde se estabelece como comprador e exportador de algodão para a Europa.

Em 1841 ele constrói uma mansão no estado da Geórgia, com um extenso jardim e 10.000 acres de campo para plantação de algodão. A mansão era esplendorosa, chamada por ele de Woodlands, onde ele e a esposa criaram seus 6 filhos. Possuía 2 andares, 24 quartos, diversas obras de artes trazidas da Europa e um jardim magnífico.

Mas a vida da família Barnsley começou a mudar com uma sucessão de tragédias familiares ao longo dos anos e tendo como agravante o início da Guerra Civil nos Estados Unidos.

Depois de um ano que o filho mais novo do casal morreu, a Sra. Barnsley contraiu tuberculose e morreu em 1845.

Em seguida morreu sua filha Adelaide e 4 anos depois o filho Harold desaparece no extremo Oriente, provavelmente morto por piratas chineses em Xangai, enquanto procurava por obras de arte e plantas exóticas para comercializar nos Estados Unidos.

Outros 2 filhos de Barnsley, George Scarborough Barnsley (1837-1918) e Lucien Barnsley (1840-1892), estavam na guerra e o pai não tinha notícias deles.

Por volta de 1864, Barnsley viu suas terras e sua mansão sendo invadida pelos soldados ianques, que destruíram sua casa, quebraram estátuas italianas e porcelanas chinesas, rasgaram telas e destroçaram os jardins, saquearam a adega e roubaram livros raros de sua biblioteca.

Barnsley foi a falência, pois antes do saque em sua propriedade, ele havia investido muito dinheiro em títulos de guerra e no final dela, suas finanças estavam severamente afetadas.

Ele precisou deixar a propriedade para tentar se recuperar financeiramente, indo para Nova Orleans a procura de oportunidades e deixou suas terras sob os cuidados de sua filha, Julia Bernard Barnsley (1836-1899) e seu primeiro marido, o capitão James Peter Baltzell.

Juntos, eles tentariam recuperar a plantação de algodão, que no passado foi a grande fonte de renda da família e restaurar a mansão.

Sem dinheiro nem para alimentos, Julia começou a plantar nabos para alimentar a família e como a propriedade do seu pai possuía uma parte com floresta, ela e o marido começaram a cortar árvores para comercializar a madeira e levantar dinheiro para retomar a colheita de algodão (Quem assistiu E O Vento Levou, lembra que a Scarllet montou uma serraria para levantar dinheiro).

Mas uma tragédia aconteceu, o capitão Baltzell, que voltou da guerra sem nenhum arranhão, morreu esmagado por uma árvore que ele havia cortado.

Julia agora viúva, teve que novamente reunir forças para administrar sozinha os negócios e ser a chefe da família, tendo inclusive defendido as suas terras com uma espingarda, afastando invasores que tentavam entrar na propriedade.

A situação financeira de Júlia ficou muito difícil, a economia no pós-guerra estava demorando para se consolidar, então ela tomou a decisão de se juntar ao seu pai em Nova Orleans em 1872, enquanto a plantação de algodão não fosse suficiente para gerar renda.

Segundo consta em cartas microfilmadas da família Barnsley, arquivadas na University Libraries, Julia era uma mulher muito bonita, inteligente e com uma grande força de vontade.

Em Nova Orleans ela conheceu o capitão Charles Henry von Schwartz, com o qual se casou.

1 ano após seu casamento, seu pai, Sr. Barnsley, morreu em Nova Orleans e Júlia providenciou para que ele fosse enterrado em Woodlands, onde ele tanto havia investido e sonhava em ver novamente a mansão reconstruída.

Após a morte do Sr. Barnsley, a propriedade foi dividida igualmente entre os filhos, ficando Júlia e o marido com a mansão que estava bastante deteriorada e também com uma boa parte dos campos para cultivo de algodão, que ainda não gerava receita.

Ela o marido continuaram em Nova Orleans em outras atividades, mas mantendo a plantação na propriedade e o sonho de restaurar a casa do pai.

Foram anos muito difíceis para o casal, que trabalhou muito para manter os objetivos, mas o destino implacável mais uma vez deixou Julia viúva, em 1885 von Schwartz morreu.

Sem ter para onde ir, Julia retorna para a sua propriedade, juntamente com sua filha do primeiro casamento, Adelaide Baltzell, e juntas elas começaram a tornar a casa habitável e restaurar os jardins. Adelaide, ou Addie como era carinhosamente chamada, ficou apegada ao lugar e tornou-se determinada a restaurá-lo, como era vontade do seu avô e de sua mãe.

Em 1897, Addie casou-se com Benjamin Franklin Armington Saylor, um empresário do ramo de mineralogia.

Apesar de vários empreendimentos que o casal possuía, ainda não conseguiram dinheiro suficiente para restaurar a mansão, mas conseguiram restaurar a plantação de algodão que nessa altura já gerava renda suficiente para toda a família.

Dois anos após o casamento de Addie, sua mãe, Sra. Julia Baltzell/von Schwartz morreu.

Em 1906 mais uma tragédia na mansão, um tornado levou todo o telhado, destruiu boa parte da construção deixando apenas uma área da cozinha intacta e deixou mais distante o sonho da restauração.

O casal Saylor conseguiu recuperar uma parte dos móveis, mas nunca mais conseguiram restaurar a mansão.

Em 1912, Benjamin Franklin Armington Saylor morreu e a víuva Addie ficou com os filhos na fazenda, que agora possuía a plantação de algodão em plena produção.

A inspiração para a criação da personagem Scarlett O’Hara.

Margaret Munnerlyn Mitchell, a escritora de O Vento Levou, leu o livro St. Elmo de 1866, da escritora Augusta Jane Evans. Nesse livro, a escritora conta as dificuldades enfrentadas em uma fazenda de algodão, que tem com o nome fictício de Le Bocage, nome francês para The Woodlands.

Mitchell ficou impressionada com o livro e começou a pesquisar sobre a fonte da inspiração de Augusta Evans, até chegar ao nome de Addie.

Ela entrou em contato com um amigo da região onde ficava Woodlands e conseguiu um encontro com Addie, que contou toda a história de sua mãe Julia.

Mitchell ficou extremamente tocada pela narrativa da vida de Julia e em 1936 publica o seu clássico Gone The Wind, no Brasil conhecido como E O Vento Levou, onde a protagonista  Scarlet O’Hara, tinha várias semelhanças com a Sra. Julia Baltzell/von Schwartz (Bernard Barnsley). Após a morte de Addie Saylor em 1942, a propriedade foi vendida juntamente com o conteúdo da casa. Curadores do Museu de História de Savannah pegaram vários móveis que ainda podem ser vistos em exposição, no mesmo endereço da mansão, 597 Barnsley Gardens Road NW, Adairsville, Condado de Bartow, Geórgia.

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Mas e Itapetininga e região? O que tem a ver com isso?

Os 2 filhos de Godfrey Barnsley, George Scarborough Barnsley e Lucien Barnsley, serviram na guerra pelo 8º Regimento da Geórgia, no exército dos confederados.

George Scarborough Barnsley havia estudo medicina e química na Universidade de Oglethorpe em Midway, Georgia e após a guerra, diante das dificuldades enfrentadas pela família e ao ver a mansão do seu pai praticamente destruída, resolve junto com seu irmão, se juntarem a um grupo que emigrou para o Brasil, liderado por Frank McMullen.

Em uma de suas cartas ao seu pai, George Scarborough escreveu: Por que eu deveria permanecer para chorar sobre túmulos devastados pela guerra? Eu não tenho outra esperança a não ser a emigração.

No Brasil, George foi para São Paulo e por aqui casou-se com Mary Lamira Emerson, imigrante do Mississipi, filha do pastor protestante William Curtis Emerson, que havia se estabelecido em Santa Barbara, próximo à Americana, na Província de São Paulo. Logo após o casamento, George comprou um carroção de madeira que outro imigrante trouxera dos Estados Unidos e passou a praticar medicina errante pelas fazendas do Vale do Paraíba na Província do Rio de Janeiro, morando com a família no carroção.

Utilizando seus conhecimentos de química, resolveu se aventurar na mineração de ouro e foi então para a região de Itapetininga-SP.

Conseguiu do governo de São Paulo autorização para lavrar ouro em Itapetininga, pelo decreto nº. 6074 de 24 de dezembro de 1875, renovado em decreto nº 7096 – DE 30 DE NOVEMBRO DE 1878 e novamente pelo decreto 8086 em 7 de maio de 1881.

Investiu todas as suas posses nesse empreendimento e o ouro coletado durante todos esses anos não cobriu as despesas, se tornando um verdadeiro fracasso.

Enquanto explorava as minas em Itapetininga, a família morou em Tatuí-SP, cidade vizinha de Itapetininga, onde nasceram as filhas Mary Adelaide Barnsley e Julia Henrietta Barnsley.

A filha mais velha, Mary Adelaide, se casou em Tatuí com Manuel Guedes Pinto de Melo, mudando seu nome para Mary Adelaide Guedes e lá se estabeleceram com seus 8 filhos, onde até hoje existem descendentes de Julia Bernard Barnsley, a mulher que inspirou a criação da personagem de E o Vento Levou.

George Scarborough Barnsley trabalhou como médico em São Paulo pelo resto da sua vida, onde morreu em 1918.

Lápide da família, localizada em Woodlands

Vista da mansão Woodlands nos dias atuais

Julia Bernard Barnsley (1836 - d.) - Genealogy
Julia Bernard Barnsley

Godfrey Barnsley - Wikipedia
Godfrey Barnsley

Julia Henrietta Scarborough

George Scarbrough Barnsley (1837 - 1918) - Genealogy

Lucien Barnsley

Charles Henry von Schwartz (c.1830-1885) - HouseHistree
Charles Henry von Schwartz

Adelaide Baltzell

Benjamin Franklin Armington Saylor

Harry O'Bryan Saylor (1901-1935) - HouseHistree
Harry O’Bryan Saylor

Renovação do decreto para lavrar ouro em Itapetininga, concedido a George Scarborough Barnsley

Fontes:
Georgia Historical Society (georgiahistory.com)
Geni (www.geni.com)
UNC University Librarie – (https://library.unc.edu/)
House Histree – (https://househistree.com/)
FRANK MCMULLAN’S BRAZILIAN COLONY by WILLIAM CLARK GRIGGS, May 1982
Câmara dos Deputados, Decreto 8086 – (Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)
Coleção de Leis do Império do Brasil – 1881, Página 399 Vol. 1pt2

Post Author: Peiretti

Cadeira 11, patrono Luiz Gonzaga da Silva Leme