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Rua Prudente de Moraes, 716 - Itapetininga - SP, 18200-040

A Pinga na medicina popular de Itapetininga antiga, conheça a pingoterapia.

Bem diferente dos tempos atuais, em que doenças são tratadas com antibióticos e evitadas com vacinas criadas por cientistas, houve um tempo em que elas eram tratadas com receitas utilizando como base a famosa pinga, criadas nos confins das zonas rurais do Brasil, por pessoas com talentos diversos, exceto o da farmacologia.
Em Itapetininga não foi diferente e até os anos 60, era uma prática corriqueira e bastante popular, principalmente entre aqueles que não tinham condições financeiras para pagar um médico.
A cidade possuía algumas destilarias, tanto na zona rural, como no centro da cidade, que abasteciam os bares, os viajantes e os estoques dos cidadãos apreciadores da bebida e de suas ditas propriedades curativas.
Naquele tempo, visitou Itapetininga o escritor e historiador Francisco Vasconcellos e escreveu em 1971 sobre sua experiência para a revista Brasil Açucareiro, relatando sobre como ficou impressionado com os populares da nossa cidade, que tratavam todas as mazelas do corpo e até da mente com Pinga, prática essa que ele chamou de pingoterapia.
A Pinga é o nome paulista para a aguardente de cana-de-açúcar, que pelo Brasil é chamada de muitos outros nomes, como cachaça, caninha, cangibrina e por aí vai, mas pinga é essencialmente paulista e de origem caipira.
Conta Vasconcellos que nos bairros rurais e até no perímetro urbano de Itapetininga, o consumo da pinga era fora do comum, ele testemunhou desde crianças a idosos tomando um gole da branquinha e conta que ao chegar em qualquer residência, era mais fácil o anfitrião oferecer uma dose de pinga do que um café, como era de costume em outros lugares.


Mas a pinga, que era tomada por prazer, para receber visitas, para abrir o apetite e outros motivos, era também utilizada para curar.
Vivia na cidade, na antiga Vila Brasil, dona Maria José Paes, 90 anos, benzedeira, parteira e curandeira, que realizava suas consultas sem cobrar nada, pois segundo ela, era um dom e os atendimentos eram uma caridade.
Dona Maria utilizava a pinga em suas curas em garrafadas e para afastar qualquer pinguço, que porventura viesse a se aproveitar de suas receitas, ela dizia: “Se ponhô a pinga pra remédio, é remédio”.
Nas dietas do parto de suas clientes, receitava o banho de água com pinga e logo após a higiene, receitava ingerir goles de pinga com a infusão de uma folha chamada Braço de Rei de Flor Vermelha. Essa prática ela ensinava para as aprendizes de parteiras que por aqui eram chamadas de sujoas.
Para curar males do pulmão, receitava a garrafada com 3 colheres de sopa de pinga, limão galêgo, quina, salsa e sabuqueiro, em doses que só ela sabia medir e se o problema fosse dor de dente, bochechos com pinga pura.
Outra moradora, senhora Olga Nicolau de Oliveira, herdou do pai receitas de garrafadas com pinga e mistura de ervas e raízes para curar diversas mazelas. Normalmente ela utilizava meia garrafa de pinga e o restante com cascas, raízes e ervas em infusão.

Algumas de suas receitas: Para males do estômago, pinga com casca de sassafrás, tomar uma xícara de café antes das refeições; Para ânsias de vômito, pinga com folhas de arruda, tomando 2 ou 3 vezes ao dia; Para resfriado, café com pinga, que curiosamente era conhecido na região por chimarrão.
Em frente ao antigo cinema Olana, na Rua Monsenhor Soares, havia um boteco chamado 21 Estados, de propriedade do senhor Braz Ribeiro, autêntico itapetiningano e caipira com orgulho, como ele próprio dizia.
Era ponto obrigatório dos pinguços, boêmios e de queixosos de todos os tipos de problemas de saúde, o que fazia do lugar um misto de bar e farmácia popular.
O destaque do lugar era o estoque de 25 tonéis de vidro, cheios de pinga, com as respectivas torneirinhas, de onde saia pinga com limão, pinga com passas, pinga com gingibirra, pinga com pêra, pinga com maçã e muitas outras que eram consumidas como aperitivos e refrescos.
Além dessas, existiam as destinadas à pingoterapia, com todo o tipo de ervas, raízes e cascas, que prometiam curar doenças e até recuperar o vigor masculino.
O senhor Braz vendia doses de pinga com semente de umburana para cortar a gripe, pinga com raiz de caiapiá para dor de barriga, pinga com sassafrás para males do estômago e tosse, pinga com folha de carqueja para o fígado, pinga com folha de guaco para tosse, pinga com casca de quina para dores de barriga e para baixar febre, pinga com raiz de puaia, limão galego e quina.
Em Varginha, Distrito de Itapetininga, o popular quentão das festas juninas, mistura de pinga, gengibre, cravo e canela era largamente empregado na cura de resfriados, consumido até por crianças.
Aparecida Gkionis, trabalhava como bibliotecária na Biblioteca Municipal de Itapetininga e professora do Movimento Brasileiro de Alfabetização, colecionava receitas compartilhadas pelos seus alunos.
Dentre todas, a mais excêntrica era para crises reumáticas, cuja receita era: Derramar uma garrafa de pinga sobre um formigueiro de formigas cabeçudas, após, catar as formigas (bêbadas) e colocar em uma garrafa, com pinga, deixando-as em conserva no líquido. Depois, enterrar a garrafa no mesmo formigueiro, somente desenterrando-a após às sextas-feiras. Tomar então um pouco da pinga e passar um pouco sobre o local do reumatismo.
E assim era a medicina popular baseada na pingoterapia em Itapetininga, que se valia da famosa pinga como um elixir para recuperar diversos males da saúde.
Obviamente, nunca houve comprovação científica atestando a eficácia dessas receitas, mas o valor cultural dessa prática é sem dúvida motivo de registro e pesquisa.
Fica a imaginação, de quais garrafadas seriam criadas se a pandemia que vivemos hoje, fosse na época do auge da pingoterapia.

Post Author: Peiretti

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